CHEIRA A CIPRESTE.
A sombra dos plátanos,
frondosos,
marca o luar.
Há risos abafados
no escuro.
Dar a volta.
Ganhar a luz.
Tragar o fôlego
do Universo.
E num ápice
vencer as
criaturas das trevas.
Claridade ténue
como conquista.
Venci o mundo.
Agora sou capaz.
[Escola Primária] António Martins,
poema criado para o projecto ALDEIA POEMA, 2012
A CALÇADA REBENTA
num ribombar surdo,
num ribombar surdo,
quase trovoada de
cores.
Os relâmpagos
alinhados,
de cadência
sincronizada,
forçam ao
aninhar.
Apressado
sem soslaios
Eis o beirado. A
paz.
[Rua do Saco] António Martins,
poema criado para o projecto ALDEIA POEMA, 2012
UM TRAVO A SAL
crepitante e intenso
crepitante e intenso
entre risos e
estórias
de futuro, para a
memória.
A calçada secular
marca o passo
pela sombra
do encontro.
Alinhados
como andorinhas
na azáfama do
verão.
[Rua da Igreja] António Martins,
poema criado para o projecto ALDEIA POEMA, 2012
TUDO SE APAGOU,
não sei
É uma diversão
Ninguém se
conhece
No mundo da
escuridão
[A rua que se apaga] Rita Santos,
poema criado para o projecto ALDEIA POEMA
SAIO DE CASA e sento-me no portado
esperando a volta da cadela
Olho em frente, montes, vacas, pastos.
Os pássaros fazem coro, num remoinho.
O vento bate nas árvores.
[O portado] Daniel Romana, poema criado para o projecto
ALDEIA POEMA, 2012
CINCO DA MANHÃ
na tradicional vacada
na tradicional vacada
Vem o bicho solto na minha direção
Enfrento
O coração bate
afónico
[Largo
do Poço] João Pedro Ramos, poema
criado para o projecto ALDEIA POEMA, 2012
ENTÃO ELA DISSE-LHE:
— Reparaste que ao longo da rua só havia árvores
e flores do teu lado?
Reparaste também que ias regando essas
árvores e flores?
— Não... Disse eu. Mas como?
— Ias regando-as com o teu sorriso...
[Rua do Outeiro] Marta Nobre, poema criado para o projecto ALDEIA POEMA, 2012
POEMAS DO MUNDO
CANÇÃO
Rio cristalino
nos bosques de
cardos,
lágrimas
dos peixes de
ouro,
pranto, oh
pranto,
sobre os
precipícios.
Tão fundo é o rio
nos bosques de
áruns
que se precipita
em voltas no
abismo
- o rio
estrondeia
por entre os
loureiros.
Rio que eu amo,
leva-me, leva,
longe, tão longe,
pelo meio do
campo,
sob as bátegas de
chuva,
abraçado à amada.
América do Sul, Quíchuas, versão:
Herberto Helder, in A Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro,
Assírio&Alvim
PARA OBTER CHUVA
Vem, trovão, e
olha à volta!
Vem, ó frio, e
faz chover!
O trovão bate, o
calor cresce.
Os grãos germinam
se está calor.
Trigo florido,
feijão florido,
o vosso rosto
olha os jardins.
Meloeiro de água,
meloeiro de almíscar,
o vosso rosto
olha os jardins.
Aé, aé, i!
Fazer chover.
América do Norte, Hopis, versão:
Herberto Helder, in A Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro,
Assírio&Alvim
CANÇÃO
Subiu a rapariga
para cima da amoreira,
e ao cimo do
limoeiro subiu o homem também.
Uma aranha os
enlaçou, e tudo aquilo que é belo
não deixa que se
separem.
Madagáscar, versão: Herberto
Helder, in A Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro, Assírio&Alvim
CANÇÃO
Água azul; ei-la.
Entrei nela.
Fiquei todo azul.
América do Norte, Pimas, versão:
Herberto Helder, in A Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro,
Assírio&Alvim
Os bailes da estrada no meu tempo de moça. Era a maneira de nos divertirmos pela Páscoa.
Levávamos
um lanche, assim se passava a segunda-feira de Páscoa.
As
pessoas, as mais idosas, que nunca saíam de casa, nesse dia iam também, com os
filhos pequenos.
Porque
nesse tempo não havia carros e podiam brincar à vontade.
A folha do lírio
branco
Cai na água faz
espuma
Aqui tens quem te
namora
Sem
falsidade nenhuma
O mal vai aos
aranhos
aos ratos e às
formigas
Que me roeram os
livros
De onde eu tirava
as cantigas.
Maria Calado e Vítor Calado
DEPOIS DA SECA
Bate a chuva no
telheiro,
Corre a água nos
canais,
Os rios deitam
para fora
Já se vê água nos
"vais"
Já se vê água nos
"vais"
os campos estão
verdinhos,
As barragens vão
enchendo
Já correm os
ribeirinhos.
Dinis Santos Caeiro, in ...
Já vi uma lebre a
zumbir
Nas asas dum
bacalhau,
Uma pulga a parir
moscas
E uma rato a jogar
ao pau.
Vi uma cigarra a
nadar
Com um trambolho
atado ao rabo,
Pensei que eram
coisas do Diabo
Pus-me de parte a
olhar,
Vi uma galinha a
mastigar;
Pensei de estar a
dormir
Qundo aquela cena
vi
Ia para dizer
ouvi
Vir uma lebre a
zumbir.
Mas também vi uma
pega,
Tinha dentes numa
asa,
Sem paredes vi
uma casa,
Estava rasa de
manteiga;
Vi um bezerro
numa adega
A tocar num
berimbau,
Formou-se ali um
sarau,
Coisa que se
podia ver,
Vi um piolho a
escrever
Nas asas de um
bacalhau.
Vi uma aranha de
chapéu
Parecia uma
senhorita,
Mas que osga tão
bonita
Que até levava
véu,
Vi cinco estrelas
no céu
Nem pardas, nem
jardas dem toscas,
Ratos cegos e
carochas
Tudo no chão a
brincar,
Para mais graça
dar
Uma pulga a parir
moscas.
Vi uma cobra de
xaile
De pele de figo branco,
Vi um lagarto com
uns taimancos
Dizendo: vamos
para o baile;
Está perfeito o
enxoval
Para quem gosta
não está mau,
Saiu de lá um
"alacrau"
Tudo com medo
fugiu,
Só apenas
resistiu
Um rato jogar ao
pau.
José da Conceição Godinho, in...
MANUEL GUSMÃO
Invocação
a.
Como se reaprendesses,s a falar ou
declinando viesses pelos arquivos
aéreos, assim, com seu espanto vêm
as coisas às mãos imaginantes.
Na fronteira os simulacros crepitam
e cantam em pequenas chamas: frauta,
uma flauta acesa na chuva. Passa
marítimo por ali um vento e apenas
estremece de leve no escuro o jardim.
Clinamen: asas explodindo; o clamor
no cimo das plantações cintilantes;
o tempo nascendo do tempo, abrindo
as vozes que proliferam, irradiam.
Como se move uma música que
só dificilmente dança: uma praia
hesita, insiste até ao aparecimento.
Levanta-se então uma linha de terra
como uma coroa luminosa:
o mundo oscila nas margens da luz
e alguém chama pelo teu nome.
in Dois Sóis, a Rosa - a arquitectura do Mundo, de Manuel Gusmão, Editorial Caminho, 1990
ALBERTO CAEIRO
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
MANUEL GUSMÃO
Invocação
a.
Como se reaprendesses,s a falar ou
declinando viesses pelos arquivos
aéreos, assim, com seu espanto vêm
as coisas às mãos imaginantes.
Na fronteira os simulacros crepitam
e cantam em pequenas chamas: frauta,
uma flauta acesa na chuva. Passa
marítimo por ali um vento e apenas
estremece de leve no escuro o jardim.
Clinamen: asas explodindo; o clamor
no cimo das plantações cintilantes;
o tempo nascendo do tempo, abrindo
as vozes que proliferam, irradiam.
Como se move uma música que
só dificilmente dança: uma praia
hesita, insiste até ao aparecimento.
Levanta-se então uma linha de terra
como uma coroa luminosa:
o mundo oscila nas margens da luz
e alguém chama pelo teu nome.
in Dois Sóis, a Rosa - a arquitectura do Mundo, de Manuel Gusmão, Editorial Caminho, 1990
ALBERTO CAEIRO
XX
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
In O Guardador de Rebanhos
In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001
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